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Foto do escritorAndersonn Prestes

Dia 1 na casa pós-enchente



6:30 a saída de Porto Alegre. O sol começava a se reerguer depois de mais uma noite da lua. A cidade tem um ar pesado, com as águas que ainda perduram pelo centro. Costeamos o bairro do Quarto Distrito, Humaitá e a Arena do Grêmio. O estádio imponente, com a visão do viaduto, carregado de água - junto de todos daquele bairro - estão à margem.

 

O caminho para chegar em Canoas é alternativo. Uma rota de caminhões que cai na rua Rio dos Sinos. A única entrada segura (seca) para entrar nos bairros Harmonia e Mathias Velho.

 

Enquanto passamos pelo bairro, parece que não há cor. O cheiro, as pessoas, o céu, as árvores. O dia nublado escurece ainda mais o cenário. As casas começam a ser limpas. Tudo de dentro vem parar no lado de fora. Nas calçadas e nas beiras da rua: passa um carro por vez. É um mar cinzento e avermelhado. Há um véu úmido sobre os olhos.

 

Chegamos.

 

Somos em seis. Trouxemos ferramentas, pá, pé de cabra. Roupas especiais, botas de borracha, máscara, óculos. Água, comida. Alguns vizinhos estão por ali. Falta um pouco de coragem para um olhar no olho do outro.

 

O desafio é imenso. Começar um bairro. Meia cidade. Praticamente do zero.

 

Entramos, com alguma dificuldade. O cheiro de mofo e de esgoto atravessa. A casa vai arejando aos poucos. A marca da água é acima das portas.

 

Sofás, roupas, violões, móveis, camas, colchões... Cerca de 15 dias submersos. A água é turva, suja: podre. Não dá para aproveitar. Não há o que recuperar.

 

Praticamente nada se salva. Uns papéis de recordação que quase como um milagre sobrevivem. Um tênis branco: intacto. Há ironias confortantes.


 As horas vão passando e a frente da casa é um depósito de histórias. Uma coleção do que passou.

 


Coisas são coisas, nada mais que coisas. Mas nosso lar é uma coisa que traz segurança. Uma necessidade básica em que todos deveriam ter a sua. Para ser quem se é. Para crescer. Para se tornar.



O trabalho é forte. Um time incansável. Na tarde há a exaustão, no sentido mais concreto da palavra. Fizemos um bom mutirão. Saímos satisfeito com trabalho feito. Amigos e parentes presenteando o seu tempo para encarar essa situação extrema. A solidariedade. A humanidade em sua forma mais empática. A ajuda pela ajuda. A bondade pela bondade. Eu te estendo a mão. Não há nada em troca.

 

Se posso, carrego. Se queres, te abraço.

 

Terão outros dias. É tempo de reconstrução.




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