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Foto do escritorAndersonn Prestes

O martelo bigorna e a fórmula do acaso



O Lenine é um daqueles artistas que faz arte. Com o perdão da redundância e o carregamento da ênfase. Não sei exatamente o tipo de música que ele faz. É alguma coisa que não se encaixa no quadrado, mas tem começo e fim.

É música. E boa. Refinada e de grande qualidade. Bastante rítmica, como bom brasileiro e nordestino, e igualmente melódica. Nas mãos ele leva o violão de nylon, onde caleja o talento. Notas sofisticadas e dedos longos. O dedilhado sai calmo e melódico. A batida rítmica e bem marcada.

Em seus longos anos de carreira ele desenvolveu um estilo próprio, livre de rótulos e exploratório a cada novo álbum. Vai desdobrando uma nova película, adicionando um novo legado.

Para mim, Lenine também tem muita habilidade quando compõe letra e música. Um casamento sério e robusto, atenuando a audição.

Quero comentar brevemente aqui sobre duas músicas porque gosto delas, do disco Labiata, lançado em 2008 e provavelmente meu preferido. São quase antagônicas e complementares feitas para estarem em um mesmo momento - nesse caso, o disco.

Martelo Bigorna se enquadra perfeitamente em um desses casamentos. A música é tensa. Apreensiva e de desabafo. Letra forte. O arranjo de cordas quase faz eu ver a vontade bigorna e o desejo martelo. O martelo é vermelho, batendo no peito, acompanhando os violinos. A bigorna, extremamente pesada, vem junto com os contrabaixos. Vontade. A música não da descanso, do início ao fim. E somente no final com o “vou certo, estar no caminho, desperto” parece vir a recompensa.

Agora a leveza. “Martelo Bigorna” abre o disco. “É o que me interessa” é a faixa número 8. Uma música bonita. Letra de grande inspiração. Arranjo cru. As palavras confortam com grande sabedoria. Aqui o fundo é coadjuvante – e muito bom por sinal. Nessa música a letra é o que interessa. Nos últimos versos ele encorpa a voz e expõe quase três mil anos de filosofia escondida: o caos do pensamento, a paz na solidão, a órbita do tempo, a voz da intuição, a curva do universo, o alcance da promessa, o salto do desejo, o agora e o infinito e o meu preferido, a fórmula do acaso. Só o que me interessa.

O que me resta escrever é vida longa e muitos discos a este grande artista da música brasileira.



(Foto no topo por André Farias sob licença Creative Commons)

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