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  • Foto do escritorAndersonn Prestes

Manhood


O cenário.

Quatro amigos, calça rasgada, camiseta surrada pelo tempo. Uma mesa de sinuca e um jogo não importante na TV – campeonato italiano.

Isopor de cerveja grande, com muito gelo.

De repente tudo de ruim está ali, em um só lugar, pronto para apanhar em cada bolinha. Ninguém se importa com quem é ou quem será - o que realmente se quer saber é qual caçapa tentar e qual a bobagem mais espirituosa dizer. O tempo não precisa passar e a mesa não é de fichas.

A música.

Youth & Young Manhood. Primeiro disco dos Kings of Leon. Os quatro parentes do interior do EUA e um álbum que esbanja energia. Guitarras sujas, levemente dissonantes; bateria firme e bem marcada. Brigas de bar, romances perdidos, desabafos e histórias felizes.

O jogo.

A primeira tacada abre com a suja “Red morning”. A bola branca espalha com força o resto da mesa. Chegando no refrão o cowbeu invade a orelha: alguma coisa caiu. “Happy alone” vem na sequência - alguem fica com as maiores e a jogada é espalhar mais. Levemente agitada e melancólica, a atenção acompanha os riffs de guitarra e a meia-lua na cabeça do tempo.

O próximo passo é fazer alguma coisa, o jogo corre, chegou a tensa – de boca cheia – “Wasted time”. A bolinha é xingada, a tacada não deu certo – bisonha ”/time on me is wasted time/”. Mas o espaço abriu para a razoavelmente melódica “Joe’s head” – engraçada e convidativa. Todos balançam a perna, a esquerda. Cantam: ”/Calling all the neighbors ... good friends till the end/”. A jogada é indiferente, o bolão fica no meio da mesa e todos enchem o copo.

Terminou a faixa – “Trani” – lenta, arrastada – um desabafo em terceira pessoa, como tantas outras. A tacada é bonita, usa a tabela e deixa perto da caçapa. O violão ajuda,”/He likes to bite tonight/”.

“California wainting”, a mais pop, o ritmo balança o taco. Vem uma boa notícia,”/everything is gonna be just right/why you try to save me?/”. Tem parada e tudo: boa hora para pensar onde tentar. Tacada a longo-prazo, que pode render várias bolas até o final.

Trocou, começou a pancadaria, assim aparece a “Spiral staircase”. As duplas brigam, está tudo errado e eu não entendo uma palavra do que ele canta. Depois do susto, em poucos minutos tudo passa, como sempre.

Então, chega a hora, começa o hino: “Molly's Chambers”. Todos param e se olham. Cada um já passou por isso, talvez (provavelmente) mais de uma vez. Inicia o movimento pescoçal característico: uniforme, retilíneo, não avançando mais do que 30º. O riff faz “dum.du-rum-du-rum.dum-dum” o tempo inteiro e crava em todas as mentes. O jogo é esquecido por algum instante.

Rapidamente, atravessando, surge a explosiva “Genius”. O riff também é impregnante e o baixo enche o meio da música. A tacada é forte, certeira, genial. Mas é hora de uma de minhas preferidas, “Dusty”. Meio blues, bateria simples só no lado esquerdo – “/but I can find no place or nothing where thrills are cheap and love is divine/”. Lenta, a tentativa é no meio, sem exageros.

O jogo está no final, bem no final. A primeira frase de “Holy roller novocaine” é “/My darling you look lovely/”, e ela continua assim com o refrão “/Lord’s gonna get us back/”. Não tão rápida ela dá espaço para as últimas tacadas. O grosso já passou, agora é concluir. A cerveja também está no final e de repente tudo simplesmente acabou.

O silêncio precede o momento especial.

Os desavisados esperam, tem mais uma garrafa. Os acordes do piano começam, embelezam a sala trazendo um ar de satisfação antes não imaginado. “Talihina Sky”, o lugar por onde irá passar. Ele não pode abandonar a cidade tão bela, “/life goes by in Talihina Sky/”...


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