Buscando a liberdade
- Andersonn Prestes

- há 17 horas
- 5 min de leitura

Motivado pelas minhas aulas de Inglês, estou lendo o livro mais importante do nosso patrono da educação brasileira: “A Pedagogia do Oprimido” de Paulo Freire. Um livro tratado como polêmico, sendo rebaixado por parte de alguns setores da sociedade. A história concreta de seu impacto não se interessa muito por algumas opiniões e o livro figura entre as três obras de ciências humanas e sociais mais citadas no mundo.
Afirmo que o livro é muito esclarecedor, descrevendo uma intrincada mecânica entre aqueles que detêm o poder de forma opressora com aqueles que são oprimidos, ou estão submetidos a esse poder. A educação entra como forma de promover a liberdade, da leitura crítica desse ambiente, causando a humanização de ambos os atores: opressores e oprimidos. O livro não vem com uma receita de luta do bem contra o mal. Ele apresenta um diagnóstico e uma metodologia para a realização e transformação da realidade dos envolvidos.
“A violência dos opressores, que os faz também desumanizados, não instaura uma outra vocação - a do ser menos”
Aqui, Paulo diz que ao oprimir, os opressores também não vivem em sua plenitude, e a sua violência está em fazer dos oprimidos “ser menos”. O “ser menos” é no sentido da diminuição da potencialidade do oprimido. Ele deve seguir ordens, manter as rédeas curtas, e não ser capaz de pensar que pode “ser mais”. No homem (homem universal), é intrínseca em sua humanização querer “ser mais” e ter condições necessárias para essa realização. Uma sociedade que seja capaz de estimular e não diminuir. Em busca de autenticidade e expressão, para se ter uma vida em liberdade.
“E esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscarem recuperar sua humanidade, que é uma forma de criá-la (…), nem se tornam, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade de ambos.”
Nessa dinâmica opressor-oprimido deve haver a restauração da humanidade de ambos, não uma inversão de papéis, onde após a luta por libertação, o oprimido se torna um opressor do opressor. O autor entra em alguns detalhes sobre este grande desafio. E de como se tornar o opressor acaba sendo uma espécie de “objetivo” a ser alcançado, de que o comportamento opressor é seu “testemunho de homem”.
“Descobrem [os oprimidos] que, não sendo livres, não chegam a ser autenticamente. Querem ser, mas temem ser. São eles e ao mesmo tempo são o outro introjetado neles, como consciência opressora.”
“A liberdade, que é uma conquista, e não uma doação, exige uma permanente busca.”
“Esse é o trágico dilema dos oprimidos, que a sua pedagogia tem de enfrentar.”
Paulo fala da violência do opressor e de não permitir o oprimido “ser”, mesmo que muitas vezes velada por uma falsa generosidade, que acaba sendo mais uma forma de controle.
“A situação de opressão (…) os constitui nesta dualidade, na qual se encontram proibidos de ser. (…) Tal proibição se verifica (…) uma violência. Violência real, não importa que, muitas vezes, adocicada pela falsa generosidade (…) porque fere (…) a histórica vocação dos homens - a do “ser mais.”
Então, pela humanização do homem estar em “ser” e especificamente em “ser mais”, o opressor também não vive em liberdade. Vive em uma amargura constante, onde Paulo conclui: “Os opressores, violentando e proibindo que os outros sejam, não podem igualmente ser, ao retirar-lhes o poder de oprimir e de esmagar, lhes restauram a humanidade que haviam perdido no uso da opressão.”
Obviamente, também há muitos desafios a serem enfrentados no lado da “opressão” e libertação dos opressores:
“Mas o que ocorre (…), de uma nova realidade inaugurada pelos oprimidos que se libertam, é que os opressores de ontem não se reconheçam em libertação. Pelo contrário, vão sentir-se como se realmente estivessem sendo oprimidos. É que para eles, “formados” na experiência de opressores, tudo o que não seja o seu direito antigo de oprimir significa opressão a eles.”
O opressor também precisa do oprimido para demonstrar sua “generosidade”. Uma maneira de atenuar seu comportamento demonstrando essa falsa generosidade, já mencionada, em momentos pontuais. Duramente, a autor fala de como os opressores tratam os oprimidos como “coisas”, que estariam a seu serviço. E que só entendem a si mesmo neste lugar.
“Este clima cria nos opressores uma consciência fortemente possessiva. Possessiva do mundo e dos homens. Fora da posse direta, concreta, material do mundo e dos homens, os opressores não podem entender a si mesmos. Não podem ser. (…) Daí que tendam a transformar tudo que os cerca em objetos de seu domínio. A terra, os bens, a produção, a criação dos homens, os homens mesmos, o tempo em que estão os homens, tudo se reduz a objeto de seu comando.”
Nesta dinâmica extremamente complexa, não raro, o oprimido pode se sentir seduzido pelo estilo de vida do opressor:
“Há por outro lado, em certo momento da experiência existencial dos oprimidos, uma irresistível atração pelo opressor. Pelo seus padrões de vida. Participar destes padrões constitui uma incontida aspiração. Na sua alienação querem, a todo custo, parecer com o opressor. Imitá-lo. Segui-lo.”
Há também uma constante invalidação do oprimido por parte do opressor, que afetaria sua estima por si mesmo:
“De tanto ouvirem de si mesmos que são incapazes, que não sabem nada, que não podem saber, que são enfermos, indolentes, que não produzem em virtude de tudo isto, terminam por se convencer de sua “incapacidade”. Falam de si como os que não sabem e do “doutor” como o que sabe e a quem devem escutar.”
Para trazer uma ideia de como resolver a situação, Paulo escreve em um subtítulo: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”.
Como o leitor desta crônica já deve ter concluído, a mudança começa com a reflexão. O pensamento crítico, com o reconhecimento do problema e sua imersão nele, para então emergir e direcionar uma mudança positiva buscando envolver as partes.
“(…) A reflexão, se realmente reflexão, conduz à pratica.”
Sobre a libertação dos oprimidos:
“É que esta luta não se justifica apenas em que passem a ter liberdade para comer, mas ‘liberdade para criar e construir, para admirar e aventurar-se’. Tal liberdade requer que o indivíduo seja ativo e responsável, não um escravo nem uma peça bem-alimentada da máquina.”
“A luta por esta reconstrução começa no autorreconhecimento de homens destruídos”.
O papel do educador é facilitar em conjunto a percepção do ambiente. A educação não pode ser vertical. De forma horizontal, a relação educador-educando e educando-educador permite que ambos participem do aprendizado de forma ativa, ensinado e aprendendo, revelando a realidade e trabalhando na mudança. Não pode haver propaganda, dirigismo ou manipulação como “instrumentos para esta reconstrução”, especialmente por parte do educador.
“Não há outro caminho senão o da prática de uma pedagogia humanizadora”.
“Educador e educandos (liderança e massas), cointencionados à realidade, se encontram numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-la, mas também no de recriar este conhecimento.”
Em uma ação cultural, é o educando (ou oprimido) que conhece suas próprias dores, e o desvelar da realidade em que está inserido é um ato libertador.
Essa síntese é da primeira parte do livro e já mostra a riqueza de ideias que nele contém. Eu recomendo a leitura para todos que procuram entender sobre a força e o papel da educação, assim como sobre a estrutura de algumas dinâmicas da sociedade moderna, inclusive psicológicas.
Educar é um ato de amor à humanidade: todos temos a “vocação de ‘ser mais’”. Não deixemos que digam para “ser menos”. Que tomemos uma direção rumo à liberdade plena, em que as palavras “opressor” e “oprimido” fiquem apenas em livros de uma memória histórica.





Comentários